Há já algum tempo que ela se sentia assim. Auto definiu-se como estando em crise. Ela está em crise porque nada mais na sua vida pode estar. Nem para si própria o admite. Sente que a crise é fruto de uma paragem para reflexão; como se tivesse acordado um dia e se tivesse lembrado que tinha de reflectir sobre determinado assunto. Olhou para o que tem à sua volta e mesmo tendo verificado que tinha conseguido alcançar uma vida tranquila a vários níveis, sentia-se incompleta. E ainda mais incompleta se sentia se lhe assaltava o medo do que essa revelação pudesse causar. Descobriu em si que por vários anos viveu como que um conto de belas adormecidas, aceitando pacificamente que deveria sentir-se bem com o que tinha, afinal tinha tudo para ser feliz. E era-o, feliz! Mas sentia que a essa doce felicidade faltava malagueta, faltava-lhe a energia e a força vibrante que pulsava dentro de si.
O que mais a magoava por dentro era sentir que os seus amados não a conheciam; não a conheciam no seu íntimo, e isso magoava-a porque a fazia sentir-se ingrata. Escorriam-lhe as lágrimas a par pelo rosto, não mais conseguia segurá-las por sentir que uma importante parte de si parecia manter-se afastada da luz. Da luz dos olhos de quem a amava. E isso magoava-a por sentir que querendo ser um livro aberto, não conseguia sê-lo sob pena que os seus amados descobrissem que ela lhes tinha, ainda que inconscientemente, escondido importantes aspectos da sua vida, do seu ser. Não havia sido propositado, mas a verdade era que ela conservava para si uma intimidade que não conseguia transmitir; era para si mais fácil se a descobrissem.
Escorriam-lhe as lágrimas a par por sentir-se ingrata, por sentir que afinal não sabiam quem ela era: uma mulher que se descobriu e que descobriu que é duro saber-se quem se é e o que se quer, pois dificilmente alcançará a satisfação da sua exigência.

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